Crescer na América

     Seguindo o rumo mundial, com a massificação do uso de métodos contraceptivos, a taxa de fertilidade das mulheres sul-americanas também caiu bastante nas últimas décadas e se encontra na casa de 2,3 filhos por mulher. Este valor é bem próximo do valor de referência de 2,0 filhos por mulher, que é o valor necessário para repor a população atual. A taxa de mortalidade infantil também melhorou bastante ao longo das últimas décadas e se encontra, em média para toda a América do Sul, em 21,3 mortes até completar um ano de idade para cada 1.000 nascimentos. Entretanto, este valor é pelo menos 4 vezes superior que a taxa encontrada entre os países desenvolvidos, que não ultrapassa 5 mortes para cada 1.000 nascimentos. Portanto, comparado com aquelas nascidas em países desenvolvidos, são maiores os problemas que a criança sul-americana deve enfrentar, até atingir a idade adulta. 

     Outro problema que os jovenzinhos sul-americanos devem enfrentar é a baixa qualidade da educação que recebem. O abismo que separa ricos e pobres, especialmente na América do Sul, tem seu maior impacto sobre os serviços públicos disponíveis à população. Entre esses serviços, a educação é o que parece ter sofrido, historicamente, maior descaso. Portanto, os atuais desafios para a melhoria da educação são enormes. Nos últimos anos, grande esforço foi aparentemente empregado para melhorar o acesso das crianças às escolas. O processo de massificação da educação, embora recente na maioria dos países sul-americanos, tem resultado em alguns ganhos. Por exemplo, dados de 2007 mostram que 94% das crianças em idade escolar (dos 5 aos 10 anos de idade) estão freqüentando a escola primária. Isso faz com que 97% dos jovens entre 15 e 24 anos e 90% de toda a população sejam considerados alfabetizados na América do Sul. Estes dados estão longe de se equiparar ao Japão, que possui 100% das crianças na escola. Entretanto, não são tão ruins, mesmo quando comparados a outros países desenvolvidos. Por exemplo, Estados Unidos, Dinamarca e Suécia possuem, respectivamente, apenas 92%, 96% e 96% de suas crianças em idade escolar primária nas escolas. Outro ponto positivo encontrado no subcontinente sul-americano diz respeito à proporção entre meninos e meninas que freqüentam a escola. Esta proporção se encontra bem próxima a 50% para cada sexo, indicando que fatores culturais e principalmente religiosos não afetam o acesso das meninas à educação. 

     Também não são ruins os dados a respeito do número de anos de educação que a criança recebe na América do Sul, chegando a 13,7 anos, em média. Exceto quando comparado ao Canadá, onde o tempo de educação alcança a média de 20 anos, a criança sul-americana recebe bom tempo de educação, ou seja, “apenas” 2 ou 3 anos a menos na escola que crianças de outros países desenvolvidos.

     O que os números da ONU (Organização das Nações Unidas) não são capazes de revelar é a qualidade da educação recebida por essas crianças, especialmente na rede pública de ensino. Poucas horas de aula por dia, professores mal remunerados, despreparados ou desestimulados, bem como a fraca infra-estrutura educacional, caracterizam o ensino público na América do Sul, especialmente nas áreas mais pobres. O resultado disso é o analfabetismo funcional, no qual a criança, apesar de ser capaz de ler ou escrever, não é capaz de compreender ou interpretar textos. Também é resultado disso, o baixo conhecimento de matemática, ciências, história e geografia. Não é à toa que, do grupo que tem idade para adquirir o ensino superior, apenas 32,4% da população correspondente o faça.

     O mais curioso de tudo isso é que encontra-se incutido na cultura de boa parcela de cidadãos sul-americanos, e conseqüentemente na mentalidade de seus líderes políticos, que a política de ensino superior deva privilegiar somente uma minoria, especialmente aquela pertencente às elites. Não conseguir atingir níveis educacionais satisfatórios, por dificuldades econômicas e sociais, é aceitável para uma nação, mas pensar que não é necessário educar a população de forma completa é lamentável. É lamentável especialmente pelo fato de grande parte da elite “pensante” acreditar que somente o rico sonha em formar seu filho médico, engenheiro ou advogado. 

     Além da baixa qualidade de educação, outros problemas enfrentados pelas crianças na América do Sul são o trabalho e a prostituição infantis. Somente no Brasil, estima-se que, em 2007, 1,43 milhão de crianças (com idades de até 13 anos) realizam trabalho infantil. Na faixa etária entre 15 a 17 anos, 25,0% dos jovens desse país abandonaram a escola para procurar trabalho. Se não bastasse isso, e apesar dos esforços das autoridades, algumas cidades sul-americanas ainda são importantes centros do turismo sexual internacional, onde a prostituição infantil está fortemente presente. Também a gravidez entre adolescentes é outro problema que chama a atenção, sendo que 7,8% das “mulheres” sul-americanas engravidam em idade ainda tenra, entre 15 e 19 anos.


Aldeia Indígena Ekeruá, Avaí, Estado de São Paulo, Brasil (2008).

Meninas Terena. Meninas da etnia Terena, originária do estado do Mato Grosso do Sul, esperam o momento de apresentarem sua dança na comemoração do “Dia do Índio”, quando recebem os convidados locais em sua aldeia. Aos pouco, o embaraço de dançarem seminuas, com uma roupa adaptada às condições modernas, começa lentamente a ser substituído por um sentimento de orgulho. Esta comunidade indígena deixou sua terra natal e foi transferida para o estado mais populoso e industrializado do Brasil, em virtude de problemas ocorridos no deserto demográfico do estado onde viviam. Com a transferência e o processo de inclusão na sociedade branca, eles quase perderam sua cultura, especialmente a língua-mãe. Somente recentemente estas crianças conquistaram, junto ao governo, o direito de ter um professor de língua nativa na escola onde estudam. Em um mundo de telefones celulares, MP4 e iPods, estas meninas possuem o desafio de perpetuar a cultura de seus antepassados nas futuras gerações. Esta escolha está em suas mãos. Pequenas mãos de criança!


Mateiros, Região do Jalapão, Estado do Tocantins, Brasil (2006).

“Brincando de dividir o pouco”. A taxa de fertilidade das mulheres sul-americanas já está próxima às das mulheres de países desenvolvidos. Entretanto, no campo, ainda é comum encontrar famílias super-numerosas. O grande número de bocas para alimentar torna a vida mais dura, predispondo as crianças a abandonar a escola. Na comunidade onde estas crianças vivem, para piorar, o prefeito da cidade mandou fechar as portas de algumas escolas rurais isoladas, alegando que era caro manter escolas pequenas nos locais afastados. Para as famílias que possuem parentes na cidade, a solução foi enviar os filhos para viver com eles, pelo menos durante o período escolar. Os que não dispõem deste privilégio ficaram sem estudo e, portanto, amarguram um futuro ainda mais incerto.


Canais do Rio Amazonas, Ilha do Marajó, Estado do Pará, Amazônia Brasileira (2006).

“Brincando de pirata”. Crianças das comunidades ribeirinhas da região amazônica se locomovem em minúsculos barquinhos, chamados casquinhos. Nesses barquinhos elas vão à escola, visitam outras crianças, brincam e também se aproximam de barcos maiores, especialmente barcos recreio – barco para transporte regular de passageiros - para pedirem coisas. Muitas famílias em trânsito atiram sacolas, contendo especialmente roupas, para que apanhem. É surpreendente como crianças tão pequenas se equilibram em barcos frágeis por rios tão caudalosos.    








Rio Madeira, Estado do Amazonas, Amazônia Brasileira (2006).

“Brincando de marinheiro”. Como os rios são as estradas da Amazônia, os vendedores ambulantes, muitos deles adolescentes, chegam em barcos que são atracados às grandes embarcações de transporte pesado, estas ainda em movimento. Comercializam frutas, peixes, farinha e tudo quanto produzam. Na maioria das vezes o comércio não é feito em dinheiro, mas sim a troca de óleo Diesel, combustível que necessitam para o funcionamento do gerador de energia elétrica da casa onde vivem. Quanto ao aguaceiro, a chuva faz parte da vida dessas pessoas.  


Ponte do Passo do Lontra, Estado do Mato Grosso do Sul, Região do Pantanal, Brasil (2008).

“Brincando de Cowboy”. Recém-saído da adolescência, jovem passa dias fora de casa em uma comitiva de peões de boidadeiro. Viaja centenas de quilômetros no lombo de uma mula, conduzindo o rebanho, dormindo na beira da estrada ou galopando em disparada ao encontro de uma novilha desgarrada. A escola? Bem, deixou para trás na estrada da vida.



Santo Antônio da Alegria, Estado de São Paulo, Brasil (2008).

“Brincando de dançarino”. Integrantes de um grupo folclórico de congada, crianças esperam o momento de se apresentarem.








São Paulo, Estado de São Paulo, Brasil (2008).

“Brincando de índio”. Em muitos lugares do mundo os povos indígenas são considerados cidadãos de segunda categoria. Nas Américas, isso não é diferente. Preservar a cultura de seu povo e manter sua identidade é um desafio considerável.












Vale Sagrado dos Incas, Província de Cuzco, Peru (2007).

Brincando de super-herói. A beleza dos personagens esconde a triste realidade de crianças que são responsáveis por complementarem o salário de suas famílias ao posarem para fotos em pontos turísticos do Peru. Entretanto, parecem encarar esta árdua tarefa com desenvoltura.









Vale Sagrado dos Incas, Província de Cuzco, Peru (2002).

“Brincando de top model”. 









Cuzco, Província de Cuzco, Peru (2007).

“Brincando de top model”. 











Vale sagrado dos Incas, Província de Cuzco, Peru (2007).












Cusco, Peru (2007).

“Brincando de boneca”. Os irmãos mais velhos quase não possuem idade para cuidarem de si mesmos e, mesmo assim, já se responsabilizam por cuidarem dos mais novos, enquanto os pais trabalham no campo. No meio rural, a responsabilidade vem em idade ainda tenra, especialmente quando comparada às crianças criadas em cidades. A exigência de responsabilidade tão precoce, especialmente no meio rural, contrasta com a prática adotada por muitas famílias da cidade. No campo, o trabalho, propriamente dito, até pode começar mais tarde, mas pelo menos a “educação para o trabalho” sempre começa cedo.


Uyuni, Departamento de Potosí, Bolívia (2009).

Brincando de empresário. Crianças “fazem um dinheirinho” vendendo balas durante o período de férias escolares, quando aumenta o fluxo de turistas para a cidade.








Potosí, Departamento de Potosí, Bolívia (2009).

Brincando de empresário. Meninas também “fazem um dinheirinho” vendendo balas a turistas na “Casa de la Moneda” em Potosí.









Corao, Província de Cuzco, Peru (2009).

“Brincando de Artesão”. Menino tece em tear manual e vende seus trabalhos de alta qualidade, mas de valor muito baixo, a turistas. Sua renda, juntamente com a de sua irmã, que pousa para fotos, ajuda o pai agricultor a manter a renda familiar. 












Vale Sagrado dos Incas, Departamento de Cuzco, Peru (2009).

“Brincando de Top Model”. Um costume muito freqüente no Peru é enfeitar as crianças com roupas típicas e flores, como forma de angariar alguns trocados, posando para fotos ao lado de turistas. Neste caso, enquanto seu pai vendia artesanatos, espalhados sobre um cobertor à beira da estrada, ela permanecia timidamente em pé, segurando suas flores, pronta para fazer pose, esticando sua delicada mãozinha, esperando por moedas.


Carreteira Inter-Oceânica, Peru (2009).

À beira do abismo. Crianças brincam entre montes e vales na Carreteira Inter-Oceânica.










Quincemil, Carreteira Inter-Oceânica, Peru (2009).

“Vendo a vida passar tão devagar”. Menino aprecia a chuva, enquanto toma conta da pequena venda na beira da estrada.