Cotidiano

     Ao viajar para um continente desconhecido, é comum que o viajante julgue o todo a partir das partes visitadas. Mesmo que viaje para vários diferentes locais, ainda assim, é possível que registre fatos isolados e colha informações pontuais, que não representam a diversidade do todo. Embora se possa considerar o processo de colonização da América do Sul bastante homogêneo, com apenas dois países colonizadores (Espanha e Portugal), outras características do continente são muito diversas, como o relevo, o clima, a vegetação, a cultura singular dos povos nativos e a sucessão de eventos particulares da história recente, após o descobrimento da América. Todas essas características afetam o modo de vida e o cotidiano das pessoas. Afetam também seus costumes, o modo de se vestirem, sua culinária e até mesmo seu temperamento, quanto à hospitalidade, honestidade, modos de gentileza e outros. Em viagens do tipo “dardo lançado no mapa mundi”, ou seja, com visitas pontuais, corremos o risco de associar uma determinada vestimenta ou prato típico com um determinado país. Por exemplo, podemos incorrer o erro de associar o hábito de tomar mate aos argentinos ou o uso das saias pregueadas às mulheres peruanas. Quanto ao aspecto cultural e especialmente folclórico, até mesmo os cidadãos locais cometem o erro de associar uma determinada dança folclórica ao seu país, como se fosse exclusivamente seu. Mal sabem eles que características culturais em comum estão associadas a áreas geográficas também em comum. E que uma simples linha geográfica, traçada no papel por políticos, não é capaz de dividir povos com culturas em comum. Já em viagens por terra, do tipo “bicho geográfico”, onde se vai zigue-zagueando o horizonte, pode-se perceber melhor as nuances de cada cultura que vão se alterando pouco a pouco com o avançar da distância. Por exemplo, em viagens desse tipo se descobre que o hábito de tomar mate também é encontrado no Uruguai, Paraguai e sul do Brasil e que a saia pregueada também é usada por senhoras na Bolívia e norte da Argentina e Chile, além do Peru.

     Também é importante notar que, ao longo dos tempos, foram se acentuando as diferenças de costumes e rítmo de vida entre as pessoas do campo e as das cidades, especialmente aqueles que vivem nos grandes centros urbanos. É certo que existem, na América do Sul, muitas cidades vibrantes, únicas em seu contexto. Seus monumentos ainda se encontram lá, em pé, testemunhos de uma determinada época histórica, de um determinado ciclo econômico. Mas também é certo que muitas cidades modernas estão globalizadas e isso não é diferente na América do Sul. As vestimentas, as atitudes das pessoas e até mesmo os sabores da comidas estão unificados, padronizados, pasteurizados... O viajante que conhecer muitas destas cidades sul-americanas não notará muita diferença de costumes, mesmo quando comparados a países desenvolvidos. A arquitetura pode ser bastante diferente, mas os costumes nem tanto.

     Já no meio rural a situação é diferente. É no meio rural que as características mais marcantes de um povo afloram, isto é, se materializam quanto ao seu estilo de vida, costumes, vestuário, culinária, danças típicas e etc. É viajando pelo meio rural que é possível visualizar toda a diversidade cultural dos povos. Até parece que o isolamento promovido pelo campo faz surgir novos costumes humanos, tal qual o isolamento geográfico faz surgir novas espécies de animais e plantas, como nos ensinou Charles Darwin. O isolamento não só permite a diferenciação, mas também a preservação desses diferentes estilos de vida.

     Portanto, aquele que deseja conhecer o cotidiano da vida dos sul-americanos não pode deixar de visitar o campo, conhecer como as pessoas tiram o sustento da terra, como se locomovem, como usam seu tempo livre para diversão, festividades e muitas outras coisas. Nas cidades, além dos pontos típicos, não se pode deixar de visitar locais comuns, como praças, parques e principalmente mercados. Não os modernos, onde são comercializados produtos globalizados, mas sim aqueles mercados frequentados por pessoas simples e onde são comercializadas as frutas e verduras locais, não industrializadas. Se permitir provar seus aromas, seus sabores. Com o tempo e com o exercício, até vamos perdendo o medo de ter algum desarranjo intestinal com o consumo de alimentos locais. No fundo, é agente que vai se globalizando, transformando-se em cidadão do mundo.



Las Grutas, Argentina (2008).

“Nos caminhos da Patagônia”. Las Grutas é uma das cidades de veraneio mais famosas da Argentina, dada a beleza de suas praias, apesar das águas frias, pelo menos para os padrões de um brasileiro. Quando da maré alta, o oceano invade a praia, permitindo que as ondas castiguem as encostas, resultando na formação de cavernas. Quando da maré baixa, o oceano dá espaço para a invasão dos banhistas.




Puerto Deseado, Patagônia Argentina (2008).


“Nos caminhos da Patagônia”. Família passeia pelas margens da foz do Rio Deseado. É muito freqüente encontrar grande quantidade de carros antigos, quase sucateados, ainda rodando pela Argentina. A foz do Rio Deseado é uma importante área de reprodução de várias espécies, entre elas pingüins, leões marinhos, toninhas (golfinhos), cormorões e outros. As mudanças climáticas ocorridas na patagônia em eras passadas fizeram com que o Rio Desado, que era volumoso, perdesse caudal. Uma vez que o rio secou, sua foz foi, então, invadida pelo mar.




Passo do Lontra, Estado do Mato Grosso do Sul, Região do Pantanal, Brasil (2008). 


“Nos caminhos do pantanal 1”. O Pantanal, nome usado por brasileiros, ou o Chaco, termo usado por paraguaios ou bolivianos, é uma extensa depressão geográfica que se situa quase no centro do subcontinente, a leste dos Andes. Com o movimento das placas tectônicas, uma extensa área da placa continental afundou, dando origem a essa planície inundável. Durante uma parte do ano, o aporte de água proveniente das chuvas e do degelo dos Andes é maior que a vazão permitida pelos rios, resultando no alagamento da planície. As comitivas de gado possuem como principal função fazer o transporte do gado para as terras altas, quando as águas sobem, ou trazê-los de volta para a planície, quando as águas descem.    



Passo do Lontra, Estado do Mato Grosso do Sul, Região do Pantanal, Brasil (2008). 

“Nos caminhos do Pantanal 2”. Senhor se equilibra em um pequeno barco enquanto sai para pescar. Vive em um pequena palhoça nas margens do rio.    








Rio Madeira, Estado do Amazonas, Brasil (2006). 

“Nos caminhos da Amazônia 1”. Os rios são as estradas da região amazônica. Tudo gira em torno dos rios e por eles se faz o transporte de cargas e pessoas. Os barcos possuem todos os tamanhos e é curioso encontrar postos de combustível flutuantes. A problemática do transporte é bastante complexa nessa imensa região. As empresas que fazem o transporte fluvial de carga pesada e a longas distâncias em balsas são poucas e controladas por políticos locais. Estes monopolizam o mercado e inflacionam os preços. A tentativa de abrir estradas em meio à floresta, especialmente pelo regime militar dos anos 70, foi um fracasso. A hostilidade do clima as torna intransitáveis durante vários meses do ano. Também o impacto que essas estradas causaram sobre o ambiente e sobre as comunidades locais foi imenso. 



Manaus, às margens do Rio Negro, Estado do Amazonas, Amazônia Brasileira (2006).

“Nos caminhos da Amazônia 2”. Na Amazônia, o transporte de passageiros é feito pelo barco-recreio. Como o transporte comercial e turístico de passageiros possuem impostos diferenciados, os donos registram seus barcos como tendo a finalidade de passeio e diversão, apesar de realizarem o trnsporte comercial. Assim, recolhem menos impostos ao governo.      



Rio Amazonas, Estado do Amazonas, Brasil (2006).

“Redes da corrupção”. O transporte coletivo fluvial de passageiros pelos rios amazônicos é relativamente barato. Entretanto, a qualidade do serviço é baixa. Tão baixa que se assemelha ao transporte de animais. Os barcos zarpam superlotados e existe toda uma rede de corrupção montada para isso. Essa rede, que parece ser montada pela tripulação, visa enganar o proprietário do barco, os passageiros e as autoridades, como a marinha. Depois que saem do porto principal, param em portos menores para embarcar mais passageiros. Dentro do barco, caminhar, mesmo pelos corredores, é uma aula de aeróbica, dado o emaranhado de redes em várias posições e alturas. Não é incomum um passageiro ter que dormir colado ao corpo de um estranho, separado deste apenas pelo tecido das redes.




Macapá, Estado do Amapá, Amazônia Brasileira (2006).

“Nos caminhos da Amazônia 3”. Barcos que fazem o transporte de passageiros entre as comunidades ribeirinhas da região.      








Canais do Rio Amazonas, Ilha do Marajó, Estado do Pará, Amazônia Brasileira (2006).

“Nos caminhos da Amazônia 4”. Crianças se equilibram em pequenos barquinhos pelos canais do Rio Amazonas.      









Canais do Rio Amazonas, Ilha do Marajó, Estado do Pará, Amazônia Brasileira (2006). 

“Nos caminhos da Amazônia 4”. Navegando pela rede de canais da ilha do marajó, barco de pesca transporta os matapís. Matapís são armadilhas, em formato cilídrico, com duas entradas, uma de cada lago, através das quais entram os camarões. Ataídos por uma isca, este entram, mas não conseguem mais sair.      




Ollantaytambo, Província de Cuzco, Peru (2007).

“Nos caminhos dos Andes”. Típica cena em uma pequena cidade do Peru. Nos Altiplanos, as mulheres usam saias pregueadas com várias camadas internas de tecidos, além de um chapéu característico. Diferentemente do que se imagina, de que se trata de uma típica roupa andina, a vestimenta teve que ser adotada por estas mulheres após a imposição da coroa espanhola, ainda durante o período colonial.












Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa, Deserto do Siloli, Sudoeste da Bolívia, 2009.

Andarilhos sobre rodas. Turistas atravessam parques e reservas sul-americanos.









Humahuaca, Província de Jujuy, norte da Argentina (2009).

Pintura viva. Os costumes de vestimentas típicas e o uso da tipóia para carregar crianças são ainda presentes nas regiões andinas. Senhora local, vestindo trajes um pouco mais modernos, caminha em frente ao mural, se confundindo ao cenário.






Laguna Yema, Região do Chaco, Província de Formosa, norte da Argentina (2009).

Fornos de carvão abandonados. Paralelo às atividades de desmatamento para abertura de novas áreas agrícolas, observa-se a produção de carvão vegetal. Trata-se de uma atividade migratória, caracterizada pela abertura de uma nova área após o esgotamento da madeira na área já explorada. Essas atividades geralmente estão associadas a crimes ambientais. No Brasil, onde essa atividade é muito freqüente e as leis podem ser duras em alguns casos, os brasileiros encontraram uma alternativa bastante criativa para evitar problemas com a justiça. Os empreiteiros aliciam famílias pobres e “doam” os equipamentos de trabalho (moto-serra, machado e etc.). Essas famílias realizam o desmatamento, produzem o carvão e o vendem ao empreiteiro, após descontarem o “empréstimo” das ferramentas. Se tiverem problemas com a justiça, são essas famílias que devem se responsabilizar pelos seus atos, livrando empreiteiros e empresas de fundição do aço.


Uyuni, Departamento de Potosí, Bolívia (2009).

Cementerio de Trenes (Cemitério de Trens). Uyuni foi, no passado, um pátio de manutenção de locomotivas que faziam o escoamento dos minerais extraídos das minas de Potosí para portos no litoral chileno.






Atuncalla, Margens do Lago Titicaca, Peru (2009).

Na corda bamba. Senhora se equilibra em um pequeno barco de Totora. Percorre o pequeno lago para colher hastes desta mesma planta aquática, com a função de alimentar seu pequeno rebanho de vacas.

















Cuzco, Departamento de Cuzco, Peru (2009).

Plaza de armas. Sem dúvida, Cuzco é uma das mais bonitas cidades históricas da América do Sul. Antiga capital do Vice-reinado do Peru, suas igrejas, praças e prédios públicos se escondem atrás de cada estreita viela, desafiando o visitante a desvendar seus segredos.



Pozo Colorado, Província de Jujuy, norte da Argentina (2009).

Rebanho da Puna. Cabras e ovelhas, bem como lhamas e alpacas, são essenciais para as famílias que vivem no altiplano andino. Com seu maxilar mais estreito que os bovinos, somente estes animais conseguem selecionar brotos novos em meio à vegetação espinhosa da Puna.