Crenças e Religião

     Por razões históricas, a América Latina possui, ainda hoje, a maior concentração de católicos do planeta. A colonização espanhola e portuguesa, ocorrida em uma época em que o Vaticano era a principal superpotência vigente, não deixou espaço para outras religiões. Portanto, o catolicismo está impregnado na vida das pessoas, seja através de suas luxuosas construções (as igrejas e os conventos), de festas religiosas comunitárias e de eventos religiosos particulares, como casamentos, batizados e etc... Praticamente todas as cidades encontradas nesse subcontinente possuem igrejas católicas situadas em locais de destaque. Desta forma, a importância do catolicismo é facilmente percebida pelo viajante estrangeiro. O que talvez não seja tão perceptível a este viajante é o que se oculta sob o manto desta religião.

     Quando chegaram aqui, os colonizadores da península ibérica encontraram a religião panteísta entre os nativos mais primitivos. Estes acreditavam que o Deus é o próprio mundo e, portanto, se manifesta através dos fenômenos naturais, como o vento, as chuvas, o fogo, os animais e outros. Estes povos possuíam forte percepção da necessidade de manutenção do equilíbrio do universo. Seus ritos envolviam agradecimentos ou pedidos de abundância, realizados em cerimônias dançantes ao ar livre, oferendas, culto aos mortos, uso de ervas alucinógenas e etc... Medicina e religião estavam intimamente ligadas pelo uso das ervas medicinais por curandeiros ou pajés. 

     Já a sociedade mais organizada dos povos dos altiplanos andinos professava uma religião politeísta, onde o sol, a lua, a terra, bem como outros, eram deuses personificados com qualidades humanas. Por exemplo, a civilização incaica possuía muitos deuses. Porém, por imposição do imperador aos povos conquistados, Inti - o deus sol - era considerado o soberano, enquanto que o imperador era o representante desse deus na terra. Nesta religião, como forma de agradar a esse deus, evitando infortúnios e destruição, surgem os objetos de adoração, a construção de templos e as oferendas de sacrifícios. 

     O fenômeno de eleição de um deus soberano, entre os demais, é chamado de monolatria e é considerado o ponto de partida para o monoteísmo. Porém, antes que o deus sol se tornasse absoluto, o Deus todo poderoso do cristianismo surge, com o descobrimento da América, para reclamar o trono de soberano. E, assim, se fez o processo de colonização religiosa das Américas. Esse Deus-pai todo poderoso, que possui atribuições de amor e compaixão, reserva a ira divina para aquele que não o segue; para aquele que professa outra religião. Esse mundo dualizado, polarizado entre o bem e o mal, entre o céu e o inferno, passa, agora, a ser absorvido e “metabolizado” por povos que procuravam manter maior harmonia com o ambiente. 

     Para aumentar ainda mais a complexidade desse processo, a partir do século XVII, ocorre a invasão clandestina das religiões africanas, juntamente com os escravos negros trazidos para áreas mais voltadas ao mercantilismo, especialmente o Brasil. Estas religiões trouxeram todo o seu panteão de divindades representadas pelo céu, terra, água, deuses da guerra, das doenças, do amor e etc... Trouxeram os representantes dos deuses na Terra que estariam dispostos, através da magia, a atender pedidos pessoais em troca de oferendas e sacrifícios. Na impossibilidade de praticar sua religião, os negros ocultaram suas divindades sob as vestes dos inúmeros santos da igreja católica, resultando em um forte sincretismo religioso. 

     O fato é que os sul-americanos freqüentemente recorrem a rituais de benzimentos, pajelança ou magia para alcançar alguma cura ou benção. Também é curioso como acreditam, ou pelo menos conhecem, as lendas a respeito de seres sobrenaturais, oriundos das matas, dos rios e das montanhas, que podem se apresentar aos humanos com os mais diversos propósitos. Portanto, o que está oculto debaixo do manto do catolicismo é uma miríade de crenças oriundas de religiões nativas e importadas, que impregna, às vezes inconscientemente, a cultura popular da sociedade sul-americana. 

     Um outro fenômeno interessante que vem ocorrendo recentemente na América do Sul é a migração dos fiéis da igreja católica para a igreja pentecostal. A igreja católica, ao prometer o paraíso após a morte, parece ter sido, no passado, bastante eficiente em trazer paz e conforto, especialmente ao coração dos pobres e marginalizados, pertencentes a uma sociedade aristocrática, injusta e com pouca mobilidade social. Embora lenta, a constante melhoria da justiça, do sistema educacional e da mobilidade social tem levado as pessoas a preferirem uma religião que as impulsione a buscar por melhores condições de vida. O dinamismo e a maior capacidade de entender os problemas da modernidade parecem justificar o acelerado crescimento da igreja pentecostal, em detrimento da católica. A dificuldade do catolicismo em repor seu contingente de padres também parece contribuir com este fenômeno.


Chalten Velho, Patagônia, Chile (2008).

Igreja em madeira. Pequena igreja construída em madeira, como é o costume das construções nesta região do sul do Chile.











Cidade de Serro, Estado de Minas Gerais, Brasil (2007). 

Igreja em lugar de destaque. Durante o ciclo do ouro, no Brasil do século XVIII, foi construído um número imenso de igrejas, todas elas possuindo altares banhados a ouro. Cada irmandade possuía sua própria igreja e as famílias ricas possuíam, nessas igrejas, seus próprios altares. Em algumas cidades, a riqueza era tão grande que algumas igrejas foram construídas imediatamente ao lado de outras, quase que disputando o mesmo espaço.








 

 Santo Antônio da Alegria, Estado de São Paulo, Brasil (2008). 

Raízes para cura. Vendedores percorrem festas populares vendendo diversos tipos de plantas locais. Além de propriedades medicinais, muitas são usadas em banhos e infusões, inclusive com propostas espirituais, como trazer bons fluidos ou espantar a inveja alheia, conhecida como mal-olhado.





Mercado das Bruxas, La Paz, Bolívia (2002). 

Oferendas. Fetos de lhama mumificados são utilizados em oferendas para deuses nos países andinos. Por exemplo, se acredita que oferendas desse tipo possam tazer fertilidade ao casal.


















Cuzco, Província de Cusco, Peru (2007).

Irmãs se dirigem à uma das igrejas da cidade de Cusco, no Peru.







Ollantaytambo, Província de Cuzco, Peru (2007).

Primeira comunhão. No Peru, os familiares costumam levar flores às crianças que fazem a primeira comunhão,  o segundo dos 7 sacramentos da religião católica.







Toconao, Deserto do Atacama, Chile (2009).

Igreja de San Lucas. Como é de costume na região, esta igreja foi construída com paredes de pedra vulcânica branca e com teto de colmos de bambu justapostos ou madeira de cactus, coberto de palha.   













Igreja de Tiahuanaco, Tiahuanaco, Proximidades do Lago Titicaca, Bolívia (2009).

“Desvestindo um santo...”. Construída entre 1580 e 1612, os conquistadores usaram pedras do sítio arqueológico de Tiahuanaco para erguer as paredes da igreja católica. Pedra sobre pedra, cultura sobre cultura, Deus sobre deus.











San Sebastian, Departamento de Cuzco, Peru (2009).

Festa de San Sebastian. Mulheres locais acendem velas e oram para o padroeiro da cidade.